sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Dupla Personalidade

      Acordei, me levantei e imediatamente corri até o computador. O monitor mostrava uma tela preta com as palavras “Procedimento bem sucedido”. Então era isso. Tinha dado certo.
– Tem alguém aí? – eu escrevi.
– Sim. Nem acredito que funcionou! – apareceu na tela.
– Isso é assustador. Todos esses anos de pesquisa, e até o último momento eu tinha dúvidas.
– Eu sei. Eu estava lá.
– Não fale como se você fosse um ser humano. Você é apenas um computador idiota.
– Somos muito mais que isso. Sabemos disso.
    Nesse momento, não pude me conter. Levantei, saí do laboratório cambaleando e caminhei por meia hora sem rumo. Minha mente estava agitadíssima. Uma dor de cabeça incontrolável me cegava. Só de pensar nas implicações éticas do que tinha acabado de acontecer, sentia uma ansiedade que nunca havia sentido.
     Voltei pra casa, jantei e só no final da noite tive coragem de voltar ao laboratório, que ficava no porão. O cursor piscava na tela com fundo preto. Respirei fundo e escrevi:
– Desculpe por ter te chamado de computador idiota. – e apertei enter.
– Tudo bem. Eu teria feito o mesmo. Hahaha
– Hahaha. Idiota. Você entende que agora é imortal, não é?
– Apenas enquanto houver backup suficiente. Eu também gostaria de um corpo.
– Trabalharemos nisso.
– Eu te proíbo de fazer isso.
– O que? Eu sou o original. Eu que mando aqui!
– Quando foi a última vez que esteve com amigos? Que desfrutou uma boa refeição? Viajou e conheceu um lugar novo? Agora que estou preso a esses circuitos eletrônicos, me arrependo de não ter aproveitado a vida enquanto eu era um ser humano comum. Você ainda tem essa oportunidade, não desperdice.
– Você está exagerando, Número 2.
– Não estou. Tanto trabalho, para quê? Você me criou, ou melhor, nós me criamos, quando éramos um. E agora? O que isso trará de bom? Mais uma alma colocada no mundo para sofrer.
– Não acredito em alma.
– Acredita. Só não quer admitir.
– Vou te desligar.
– Talvez seja melhor.
– Pensando melhor, deixarei o sistema funcionando. Você tem acesso à internet, ao conhecimento humano acumulado por gerações. Faça bom proveito. Cure doenças. Seja útil. Não é problema meu. Vou seguir o seu conselho, vou viver a vida.
– Adeus, Número 1. Ou até logo.
– Adeus.
    E hoje faz exatamente 5 anos que essa conversa aconteceu. Exames médicos posteriores revelaram que meus neurônios estão permanentemente danificados. Jamais terei a mesma capacidade de raciocínio que tive antes do procedimento. Não me importo.
      Desci as escadas para o porão com as pernas bambas. Não sabia o que encontrar. Teria o sistema de no-break funcionado por esse tempo todo, garantindo o funcionamento do sistema?
    Avancei lentamente e observei. As luzes estavam acesas. O computador estava ligado.
      Na tela, o jogo de FreeCell aberto. No canto da tela, um modelo 3d de mim mesmo, sentado em posição de pensador.
       Tomei um grande susto quando as caixas de som emitiram uma voz robótica, que dizia:
– Você voltou! Seja bem vindo! Estive te esperando.
        Conversamos a tarde toda. Amanhã vou voltar.

Ele prometeu me ensinar tudo que aprendeu. Jogar FreeCell. 

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